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O peso do diesel no déficit da conta petróleo

A auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo, anunciada em abril de 2006 pelo governo federal, não foi suficiente para evitar um déficit de U$13,4 bilhões na conta petróleo do País em 2008. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, de janeiro a dezembro, as importações brasileiras de petróleo e derivados consumiram US$ 31,46 bilhões ante os US$ 20,06 registrados no ano anterior. Em entrevista à UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, explica que a redução do consumo de diesel teria impacto significativo nestes resultados, diminuindo o déficit atual do País. Leia a seguir:

UNICA – Se o Brasil é auto-suficiente em petróleo, por que motivo amarga um déficit crescente apesar das descobertas do pré-sal?
Adriano Pires – O ano de 2008 foi atípico. Os preços de petróleo bateram recordes, superando o primeiro e segundo choques do petróleo e a média do barril de petróleo ficou em US$100. Agregue-se a isso o fato do País registrar a maior taxa de crescimento dos dois mandatos do presidente Lula e a falta de energia que ocorreu no início do ano. Importamos caro, exportamos barato e importando mais diesel, inclusive para ligar as térmicas em função da falta de energia. Dos U$13,4 bilhões do déficit, US$3 bilhões se referem a petróleo e o restante a derivados, basicamente diesel. Com relação à auto-suficiência: em termos de dólares (moeda), nunca alcançamos a auto-suficiência. Em termos de volumes atingimos a auto-suficiência em 2006, mas nos dois anos seguintes a situação mudou pois produzimos abaixo das metas projetadas pela Petrobrás.

UNICA – E como o déficit se comportará em 2009 na sua avaliação?
Pires – Este ano, o déficit brasileiro será menor em decorrência das taxas de crescimento menores e do menor consumo de diesel. O fato de não teremos de ligar as térmicas fará muita diferença. Para se ter uma idéia, em 2006 importamos 5% de diesel, enquanto no ano passado – com a necessidade de colocar as térmicas em operação para suprir a falta de energia – tivemos de importar 15%, três vezes mais.

UNICA – Na sua avaliação, quais seriam os impactos de uma substituição maior da gasolina por combustíveis renováveis como o etanol?
Pires – Sob o ponto de vista do Meio Ambiente, os benefícios da substituição da gasolina por combustíveis mais limpos seriam significativos por conta da redução da emissão dos gases de efeito estufa na atmosfera. Do ponto de vista econômico, a substituição da gasolina por etanol ajudaria a baixar o déficit, ao liberar um excedente de gasolina que poderia ser vendido no mercado internacional.

UNICA – Qual seria a melhor alternativa para reduzir o déficit da conta petróleo?
Pires – A substituição de parte do diesel consumido no País por combustíveis renováveis é uma saída. Um consumo menor de diesel diminuiria as importações desse combustível e também de petróleo leve, que permite uma produção maior de diesel do que o petróleo pesado (aquele que produzimos no Brasil e exportamos). Para isso, teríamos de ter políticas públicas para a substituição gradual dos veículos a diesel por veículos flex, como as frotas de ônibus municipais, por exemplo.

UNICA – Por que motivo o diesel ganhou um peso tão grande na matriz energética brasileira?
Pires – Grandes mudanças ocorreram neste setor nas últimas décadas. Nos anos 60, a gasolina era o combustível dominante e o Brasil exportava o excedente de diesel. A produção de gasolina ocupava 30% da estrutura de refino das unidades da Petrobras e a de diesel apenas 23%, e o Brasil importava 80% do petróleo. No início da década de 70, o governo transferiu o aumento do petróleo no mercado internacional somente para os preços da gasolina, subsidiando o diesel e o GLP. Essa política incentivou as vendas de veículos médios a diesel levando a um fenômeno que ficou conhecido como a “dieselização” da frota nacional. A Petrobrás investiu firme na mudança da estrutura de refino, o País passou a importar grandes volumes de diesel e a qualidade do ar nos grandes centros urbanos piorou.

UNICA – Se o diesel prejudica o balanço de petróleo brasileiro e piora a qualidade do ar, como reduzir o seu consumo no Brasil?
Pires – O principal desafio é reverter o processo de “dieselização” da frota de veículos através da introdução no mercado de veículos médios que utilizem motores flex em substituição aos motores a diesel. Isso permitiria a absorção do crescimento da produção de etanol e uma parcela de gasolina que hoje é exportada. Com isso, a indústria sucroenergética teria sua expansão garantida com base no mercado interno, sem depender do relaxamento do protecionismo econômico dos Estados Unidos e da Europa.

UNICA – Em termos práticos, o que poderia ser feito para assegurar esta mudança de cenário?
Pires – O caminho mais curto e eficiente é incluir políticas voltadas para este fim em um Plano Nacional de Combustíveis Automotivos do governo, no qual seriam criadas diretrizes para que a médio e longo prazo o País conquiste uma matriz de combustíveis que permita segurança de oferta, melhoria das condições ambientais nos centros urbanos e efeitos positivos na balança comercial de petróleo e derivados.

UNICA – No contexto atual, qual é o principal desafio  do governo com relação ao etanol?
Pires – O desafio do governo é tomar  medidas para evitar que a volatilidade do preço do petróleo afete o setor sucroenergético, criando um clima de incerteza e  desestimulando os investimentos no setor. O governo precisa criar um ambiente favorável para que os biocombustíveis  tenham uma participação maior na matriz energética e os preços destes produtos refletam isso. Criar uma política tributária e fiscal que dê mais garantias aos empresários do setor. Ao setor, por sua vez, cabe mostrar ao governo a importância do etanol entrar também na substituição do diesel.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) e Professor da UFRJ

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Enxofre no diesel

Há um abismo entre o avanço tecnológico e organizacional da Petrobras e das empresas que compõem a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores e o atraso de seu comportamento no caso do enxofre no diesel.

Enquanto nos países desenvolvidos investimentos são feitos para reduzir a presença de 10 a 15 partes por milhão de enxofre no diesel, aqui a meta de baixar de 2.000 para 500 ppm, fora das regiões metropolitanas, e para 50 ppm nas regiões metropolitanas é adiada.

Tendo como protagonistas uma empresa e um setor altamente inovadores, a postergação torna-se ainda mais intrigante. Uma comparação internacional talvez ajude a entender melhor o problema.

Nos Estados Unidos, a relação entre empresas, meio ambiente e sociedade passou por quatro fases. A primeira delas (anos 1960) é marcada pela arrogância e pela negação: segundo a indústria, o derramamento de óleo em Santa Barbara, na Costa Oeste norte-americana, em 1969, por exemplo, não provocaria efeitos danosos à saúde. Da mesma forma, uma das maiores companhias químicas do mundo respondia ao clássico de Rachel Carson, “A Primavera Silenciosa” (1962), com a ameaça de uma hecatombe alimentar, caso os agrotóxicos deixassem de existir do dia para a noite (“The Desolate Year”, “Monsanto Magazine”, outubro de 1962).

A segunda etapa foi a da regulação, nos anos 1970: forma-se a Environmental Protection Agency (a agência ambiental norte-americana), que dita regras e recebe forte oposição industrial. Nesse momento, a relação entre ativistas, governo e firmas é, fundamentalmente, de confronto. Durante os anos 1980, os temas ambientais começam a fazer parte da pauta das empresas. Sob pressão social direta, elas implantam normas voluntárias e constituem em seu interior diretorias ambientais com poder real e que vão muito além de recomendações puramente técnicas.

A quarta etapa tem início no final dos anos 1980 e caracteriza-se por dois traços fundamentais. Em primeiro lugar, a cultura corporativa contemporânea consagra a expressão “stakeholder” (o conjunto dos interessados naquilo que faz a firma, muito além de seus acionistas) como parte ativa de sua gestão. Além disso, os temas socioambientais incorporam-se à estratégia empresarial a partir da permanente relação que o setor privado mantém com o setor público e associativo.

Essa rápida história do que Andrew Hoffman, em “From Heresy to Dogma” (da heresia ao dogma, Stanford Business Books) chama de ambientalismo corporativo oferece parâmetros a partir dos quais se pode analisar o desrespeito à resolução 315 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 2002, que previa diminuição drástica do teor de enxofre no diesel a partir de janeiro de 2009. A Petrobras e a indústria automobilística assumiram, nesse caso, atitude semelhante à das grandes empresas norte-americanas até o final dos anos 1970.

Em primeiro lugar, a Petrobras afirma não estar descumprindo a lei, ignorando o que marca a atitude estratégica das grandes corporações mundiais: não se trata apenas de obedecer à lei, mas de antecipar-se à contestação social, incorporando as demandas da cidadania a seu processo de planejamento. A Agência Nacional do Petróleo não regulamentou o que o Conama decidira em 2002.

Em vez de se adiantarem, zelando pela saúde pública, Petrobras e o setor automobilístico optaram pelo caminho de seguir estritamente a letra da lei ou, pior, explorar suas ambiguidades. O resultado é um sério comprometimento de sua reputação.

O segundo argumento veiculado publicamente pela Petrobras é que o enxofre é menos prejudicial à saúde que outros elementos nocivos contidos nas emissões. Essa ideia foi posta abaixo pelo trabalho científico de Paulo Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da USP, mostrando a natureza letal, para as populações metropolitanas, do diesel que são obrigadas a respirar.

O motor a explosão interna e os combustíveis fósseis permanecerão entre as bases materiais da civilização contemporânea por boa parte do século 21. Se, no caso do enxofre no diesel, de solução técnica amplamente conhecida, a conduta foi essa triste mistura de rejeição das evidências científicas com o legalismo burocrático, cabe perguntar: o que vai ocorrer quando estiverem em jogo situações de muito maior risco socioambiental, como as representadas pelos impactos potenciais das novas jazidas de gás e do pré-sal sobre os ecossistemas e as populações vivendo nas áreas litorâneas do Sudeste brasileiro?

Ricardo Abramovay, 55, professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental e pesquisador do CNPq. Artigo publicado em 06/01/2009 na Folha de S.Paulo

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